quinta-feira, janeiro 30, 2014

"Manhã cedo agora é bom de levantar,
Toda a dor que me aparece eu te conto,
Você me cura sem sequer notar."

Baby I'm sure - Mallu Magalhães

terça-feira, janeiro 28, 2014

Lóri ou Mariana, prazer.

"Lembrava-se de que a última palavra dele fora "adeus". Mas ele sempre se despedia assim. Como se cortasse de uma vez para outra o vínculo? E ambos ficassem em liberdade, um do outro? Lóri sabia que ela própria é quem cortara vínculos a vida inteira, e talvez alguma coisa nela sugerisse aos outros a palavra "adeus"."

Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, Clarice Lispector - Editora Rocco Ltda., 1998, página 107

VIII- Moscou


- Alô?
- Ana?
Foi quando reconheceu a voz de Theo. Seria possível?
- Theo, como foi que me encontrou?
- Ah, oi... É que eu senti a sua falta. Sabe, já faz quatro anos que não nos falamos.
- Pois é. Como me encontrou?
- Eu pedi o seu número para a Marcela. Espero que não se importe.

 Ana não respondeu. Não sabia o que dizer. Será que ela se importava? Olhou para o lado e viu Olavo dormindo tranquilamente. Clara estava na casa de uma amiguinha e os dois tinham acabado de passar uma noite ótima juntos. Será que ela se importava?

- Ah, está tudo bem. Quero dizer, não estava esperando a sua ligação. Você está bem?
- Sim, estou. É que eu sinto a sua falta, Ana. Sei que talvez seja egoísmo ligar assim, tão de repente, depois de tanto tempo e escancarar o que sinto desse jeito mas a verdade é que não estou conseguindo levar a vida sem você.

Mais uma vez, Ana olhou para o lado. Olavo era tão bom para ela e sua vida estava tão boa na Rússia... Fazia mestrado na Universidade de Moscou e vivia com Olavo há quase três anos. Clara estava cada dia mais bela e inteligente e adaptara-se surpreendentemente bem ao clima e personalidade da cidade russa.

- Theo, as coisas mudaram. Estou aqui na Rússia agora. O que você quer de mim?
-  Queria ver a Clara, ser pai dela. Na época fui muito infantil e me arrependo todos os dias por isso.
- Eu sei. Pergunte para a Marcela quantas vezes ela te ligou lá do hospital, quantos dias ela deixou de ir ao trabalho porque além dos meus pais, você era a pessoa que mais precisava estar lá e não esteva. E eu não vou dizer que são águas passadas porque não são, e você sabe. Agora que a Clarinha está crescida e não tem mais fraldas para trocar é muito fácil me ligar e tentar reatar. Mas a real, Theo, é que eu estou feliz aqui. Conheci um homem que quis que eu fosse parte da vida dele e não ao contrário como aconteceu com você.

- Não sei muito bem o que dizer.
- É, eu imaginei que fosse dizer isso.

Ana desligou e viu Olavo acordado, olhando para ela. Dos olhos de Ana brotaram lágrimas grandes e pesadas que deram inicio a um choro desesperado e ininterrupto.
         Olavo não disse nada, apenas a abraçou. Não entendia muito português, mas ao ouvir o nome “Theo”, percebeu do que se tratava. Estava seguro em relação aos sentimentos de sua companheira mas também sabia muito bem que o passado poderia doer

VII- 14 de Agosto

    Nascera linda, como a mãe. Marcela segurava a menina no colo enquanto Ana dormia no quarto de hospital. A amiga e agora madrinha acariciava com cuidado a têmpora de Clara enquanto olhava preocupada para o celular ao seu lado. Onde estaria Theo? Às vezes ela se perguntava como Ana poderia amar tanto alguém que não valoriza datas, que sequer fora capaz de atender o telefone quando sua namorada estava prestes a dar a luz. 
      Não, na verdade Marcela ficava revoltada, triste por ter uma amiga tão mais nova e que já era dona de uma vida tão intensa apenas aos 22 anos. Ela, aos 30, finalmente ficara noiva de André. Ao contrário do que normalmente todos imaginam, era ele quem insistia para se casarem. Marcela, assim como Ana, nunca soube lidar muito bem com relacionamentos apesar de sempre estar metida em algum. A traição fora sua companheira por muitos anos e agora já não tinha mais forças para achar graça na injustiça.                                                                                      Ter aquela criança em seus braços fez com que por um segundo ela invejasse a amiga; mas em seguida, olhou para a quase-adolescente deitada na cama de lençóis brancos e sentiu o seu coração pesar. Ela não invejava a amiga, mas queria mais do que nunca poder lhe ser útil nesse momento tão turbulento de sua vida.
      Sentada na poltrona ao lado, de repente se deu conta de que nunca chorara por Ana. Lembrou de quando se conheceram no colégio em que trabalhava e a amiga estudava. Afinal, o que raios estava pensando quando resolveu deixar uma menina de 15 anos entrar na sua vida? Ela não sabia, mas também não se arrependia. Ao longo dos anos, cada dia mais elas descobriam coisas novas sobre outra e também sobre si. Ana aprendeu com Marcela a beber, sambar e dirigir enquanto Marcela, que julgava não ter nada para aprender com a amiga mais nova, se deu conta de que era justamente isso que estava sendo evidenciado ali: O coração de Ana e a admiração que ela tinha por Marcela despertavam o melhor na amiga mais velha e faziam com que ela quisesse sempre ensinar e mostrar para Ana o melhor jeito de se viver.
      Enquanto Theo não chegava, devolveu Clara ao berçário e segurou uma das mãos da amiga. Aninhou-se cautelosamente na cama e olhou atentamente para Ana. Ficou assim por um bom tempo, acariciando uma das mechas de cabelo da amiga com a outra mão, apenas analisando cada traço daquela recém mãe que vira crescer. Era um sentimento estranho, nostálgico e até um pouco triste. Já estava quase adormecendo quando sentiu uma lágrima escorrer.


XI- “Ego(lir)ísmo”


-   Sabe, Ma... Estou cansada. Às vezes eu queria que as pessoas parassem de falar só por cinco minutos. Não aguento mais as pessoas se intrometendo tanto nas escolhas que vão fazer diferença tão e somente na minha vida, entende?
-     Sim.
-     Sim? Só isso?
-   Eu entendo o que você quer dizer, mas você não iria aguentar. - Disse Marcela enquanto olhava com atenção para a tela brilhante do computador que estava em seu colo.
-       Como assim, “não iria aguentar”? Me diz, quem é que não quer ser deixado em paz?
-      Ninguém. Inclusive você, Ana.
            
    Marcela fechou a tela do notebook, colocou o aparelho sobre a mesa de madeira e foi até a cozinha. O apartamento de Marcela era pequeno porém aconchegante e Ana, sempre que dormia lá, mesmo que fosse no colchão apertado ao lado da cama da amiga, dormia bem, tranquila. Ela realmente gostava daquele lugar.
    Enquanto procurava qualquer coisa na geladeira, continuou o seu raciocínio:
-   Se por um acaso o seu pedido infantil fosse atendido, sabe o que iria acontecer? Você enlouqueceria. É isso mesmo: EN-LOU-QUE-CE-RI-A.  Fechou a geladeira segurando duas garrafas de cerveja, pegou a chave do carro e usou o abridor que também servia como chaveiro para abri-las. Aproximou-se da amiga e estendeu a mão oferecendo a bebida. Sorriu e continuou- E sabe por quê? Porque a nossa vida, não é nossa, Ana. A gente simplesmente não consegue viver sem o outro, entende? Então, por mais que você esteja reclamando agora, acredite, é melhor ter gente por ai interessado na sua vida do que chegar em casa no final do dia e perceber que as pessoas nem lembram que você existe.
-    Você está chateada?
-   Eu só estou tentando evitar que você continue nutrindo esse pensamento egoísta.
-     Você está chateada? Quando eu disse que queria paz por 5 minutos, eu não quis dizer “paz de você”.
-     Eu sei disso, é que você não entendeu aonde eu quero chegar. Por isso não respondi da primeira vez. Queria ter certeza.     
    Marcela sentou no chão com as costas apoiadas no assento do sofá de dois lugares. Com o controle remoto na mão, passava de canal em canal rapidamente como se já soubesse a programação enquanto voltava o seu olhar para Ana e dava pequenos goles em sua cerveja.
-    A nossa vida, não é nossa. Se você morrer, eu vou chorar, entende? Se eu resolver sair por aquela porta agora, isso vai causar algum impacto na sua vida, espero eu. Os seus pais não se intrometem nas suas escolhas porque eles não têm o que fazer da vida deles. Eles fazem isso porque querem que você seja feliz, só isso. A princípio pode parecer algo óbvio, mas a real é que ninguém no mundo sabe totalmente como lidar com isso. Você precisa entender que saber gerenciar as suas vontades com as dos outros, que se importam com você, é uma característica notável e muito madura.

   Ana ficou em silêncio por alguns segundos. A expressão em seu rosto demonstrava aceitação porém em seus olhos era possível notar que ela ainda estava refletindo sobre o assunto. Finalmente, quando Marcela já tinha direcionado a sua atenção para o seriado que passava na televisão, Ana exclamou:
-   Mas, espera... Então... Se eu morrer, você vai mesmo chorar?
-   Pra caralho.