quarta-feira, novembro 26, 2014

Deixa ir


A sua aparência agora é mais abstrata, já não te vejo com tanta frequência e isso me assusta. Não lembro com tanta certeza da cor dos seus olhos ou dos pequenos detalhes que antes tiravam o meu sono, mas que também me incentivavam a levantar na manhã seguinte. Confesso que, às vezes, entro na sua página para ver alguma foto sua, relembrar os seus trejeitos e reviver o sentimento engraçado que o seu sorriso sempre despertou em mim; mas que já não desperta mais assim, tão prontamente.

Aí foco nos teus cabelos, lembro de cada fio curto encostando nos meus dedos enquanto acariciava a sua cabeça antes de dormir. Era bom passear pelas suas costas, contornar a sua musculatura enquanto ouvia você prometer que jamais me deixaria partir. Porque você já sabia...

Eu nunca pedi que você prometesse isso, sequer disse que iria embora. Nem por um segundo usei qualquer palavra que insinuasse a minha ânsia repentina de sumir, mas você sacou e me olhou calado, com a cabeça meio de lado, sem muito bem entender o porquê de eu ser assim: tão urgente dos momentos, do querer, sem porquês. Você me olhava enquanto eu estava em seus braços e, numa terça esquecida, desfez o meu sorriso ao finalmente peguntar quando eu planejava partir.

Gostaria de dizer que me senti surpresa, que precisei de um tempo para respirar e pensar numa resposta que não comprometesse tudo aquilo que você sentia por mim. Como não consegui fingir surpresa, simplesmente sentei, olhei para o chão, dobrei uma das pernas e segurei um dos braços com a outra mão. Quando eu planejava partir?
Tentei então descontrair. Fingi virar as páginas da minha agenda imaginária em busca de qualquer data até que ele finalmente desistisse daquela pergunta certeira; mas não, continuou ali, olhando diretamente para mim, agora sem inclinar a cabeça como tinha feito antes.
Como já não via o mesmo sorriso de antes, decidi fechar a agenda, aproximei meu corpo ao dele calmamente e respondi da forma mais honesta que jamais tinha feito com qualquer homem: "Eu não sei".

Talvez eu não lembre muito bem da cor dos seus olhos, mas lembro das lágrimas se formando e da maneira como aquilo me atingiu. Confesso que não fiquei triste por ele, sequer pensei em reformular a minha resposta. Era fato que eu gostava dele, mas por que então parecia tão difícil aceitar tudo do jeito que estava? Significava que precisaria mentir? Suas lágrimas me atingiram porque sabia que o sentimento dele por mim era real, porque eu queria poder sentir por ele o que ele sentia por mim, nem que doesse.

Ele acariciou o meu cabelo comprido, deixou um dos dedos se prender em uma parte que estava levemente emaranhada. Ele gostava de mim, amava cada defeito que eu tanto tentava esconder e isso fazia com que eu me sentisse ainda pior. Precisava partir.

Finalmente percebi que pelo menos naquele momento, ele merecia algo que fosse real, mesmo que estivesse longe de ser amor. Tinha consideração, mas já não podia continuar ali, fingindo. Encostei a cabeça em seu peito e ali ficamos longos minutos em silêncio, vivendo aquele momento bizarro. Falamos tchau sem usar qualquer palavra, apenas absorvendo ao máximo o que o outro tinha para compartilhar.  O toque, respiração e cheiro foram pouco a pouco deixando de ser cotidiano para se tornarem memórias para um futuro que já não estava longe de chegar.

O celular brilhou mas não emitiu nenhum som, apenas refletiu nos olhos dele, atento e curioso tentando ler quem estaria procurando por mim. Respirou aliviado, era minha mãe. Pude sentir seu coração batendo mais rápido, o pescoço rígido consequente do levantar de cabeça. Era uma tarde quente e eu estava ali, só para ele. Mesmo que se tratasse de um momento de despedida, estava feliz ali, vivendo aqueles últimos segundos de paz com alguém que sempre vou gostar.
Mas ao mesmo tempo, o brilho do celular, o medo de descobrir quem seria o possível responsável pela minha partida, fazia com ele abrisse mão dos nossos últimos momentos em nome de uma curiosidade masoquista que sempre repudiei.

Isso me irritou e fez ainda mais com que eu quisesse partir.
Mas ele me abraçou e eu não resisti. Porque qualquer que fosse o sentimento dele por mim, sempre seria mais real e sincero do que a culpa que eu estava me obrigando a sentir.

No meio da noite ele me viu partir.





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