XI- “Ego(lir)ísmo”
- Sabe, Ma... Estou
cansada. Às vezes eu queria que as pessoas parassem de falar só por cinco
minutos. Não aguento mais as pessoas se intrometendo tanto nas escolhas que vão
fazer diferença tão e somente na minha vida, entende?
- Sim.
- Sim? Só isso?
- Eu entendo o que você
quer dizer, mas você não iria aguentar. - Disse Marcela enquanto olhava com
atenção para a tela brilhante do computador que estava em seu colo.
- Como assim, “não iria
aguentar”? Me diz, quem é que não quer ser deixado em paz?
- Ninguém. Inclusive você, Ana.
Marcela fechou a tela do notebook,
colocou o aparelho sobre a mesa de madeira e foi até a cozinha. O apartamento
de Marcela era pequeno porém aconchegante e Ana, sempre que dormia lá, mesmo
que fosse no colchão apertado ao lado da cama da amiga, dormia bem, tranquila.
Ela realmente gostava daquele lugar.
Enquanto procurava qualquer coisa na
geladeira, continuou o seu raciocínio:
- Se por um acaso o seu pedido infantil fosse
atendido, sabe o que iria acontecer? Você enlouqueceria. É isso mesmo:
EN-LOU-QUE-CE-RI-A. Fechou a geladeira segurando duas garrafas de
cerveja, pegou a chave do carro e usou o abridor que também servia como
chaveiro para abri-las. Aproximou-se da amiga e estendeu a mão oferecendo a
bebida. Sorriu e continuou- E sabe por quê? Porque a nossa vida, não é nossa,
Ana. A gente simplesmente não consegue viver sem o outro, entende? Então, por
mais que você esteja reclamando agora, acredite, é melhor ter gente por ai
interessado na sua vida do que chegar em casa no final do dia e perceber que as
pessoas nem lembram que você existe.
- Você está chateada?
- Eu só estou tentando evitar que você continue
nutrindo esse pensamento egoísta.
- Você está chateada?
Quando eu disse que queria paz por 5 minutos, eu não quis dizer “paz de você”.
- Eu sei disso, é que você
não entendeu aonde eu quero chegar. Por isso não respondi da primeira vez.
Queria ter certeza.
Marcela sentou no chão com as costas
apoiadas no assento do sofá de dois lugares. Com o controle remoto na mão,
passava de canal em canal rapidamente como se já soubesse a programação
enquanto voltava o seu olhar para Ana e dava pequenos goles em sua cerveja.
- A nossa vida, não é nossa. Se você morrer, eu vou
chorar, entende? Se eu resolver sair por aquela porta agora, isso vai causar
algum impacto na sua vida, espero eu. Os seus pais não se intrometem nas suas
escolhas porque eles não têm o que fazer da vida deles. Eles fazem isso porque
querem que você seja feliz, só isso. A princípio pode parecer algo óbvio, mas a
real é que ninguém no mundo sabe totalmente como lidar com isso. Você precisa
entender que saber gerenciar as suas vontades com as dos outros, que se
importam com você, é uma característica notável e muito madura.
Ana ficou em silêncio por alguns segundos. A
expressão em seu rosto demonstrava aceitação porém em seus olhos era possível
notar que ela ainda estava refletindo sobre o assunto. Finalmente, quando
Marcela já tinha direcionado a sua atenção para o seriado que passava na
televisão, Ana exclamou:
- Mas, espera... Então... Se eu morrer, você vai
mesmo chorar?
- Pra caralho.
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