Água
Existe uma coisa aqui
Tão profunda
Sentimento que deixa o peito cheio
Como escrevo tudo que tenho em mim?
Não respiro
Te sinto e nem pisco
Seus olhos competem com os meus
No fundo, te vejo
Mas não leio, inunda
O que sente, o que pensa sobre mim
Sozinha e imersa em tanta dúvida
Fica turva cada ideia
Um pouco do que ouço, muito do que sonho
Não respiro até te encontrar
Aos poucos, palavras escapam, buscam pelo ar
Não me incrimino e você só me olha, sem piscar
Como sigo levando você em mim sem te tocar?
Às vezes, um beijo seu escapa e eu não entendo
Quantas cervejas são necessárias para amar?
Mas você não fala e eu me perco
Porque na vida somos tudo que não cabe nesse olhar
Reverbera.
Ainda sinto meu corpo pulsando, a falta de ar, a urgência do querer mais.
Foi tão bom.
Como eletricidade, a vontade reverbera, lembrando do que passou, deixando um rastro de memória que ecoa pela pele.
De dentro para fora, o presente se torna insuficiente, misto de saudade e euforia, confusão de coisas que, naquele instante, não era necessário entender.
Seu "eu" reverbera em mim, na lembrança de cada toque, na troca clara e intensa; sem pausa, sem pressa, ritmo nosso.
Quero de novo o sentimento que ainda não me deixou.
Respira.
De fora para dentro, te sinto. Agora lembro de alguns detalhes tão lindos, tão seus.
Ecoamos no infinito. Sincera.
Sobre encarar.
Agora entendia de onde vinha a dor. A carta meio amassada em cima da cama falava pouco, mas o bastante para que tanto fosse explicado.
Os sumiços, o aparente desinteresse pela filha, as noites sem sexo que as levou a supor traição - tudo agora se encaixava e mais, fazia com que se perguntasse como poderia ter sido tão cega diante de alguém que ela tanto amava.
Por algum motivo que Ana não entendia, Theo escolhera esconder sua dor; talvez para protege-la ou poupá-la do trabalho de precisar lidar com algo além da maternidade que logo a aguardava.
Ele sentia uma dor visceral, como se tivesse algo muito profundo preso dentro de si, implorando para ser acessado, mas que agora ocupava uma parte muito grande de si para voltar atrás; como doía.
Nas pequenas trocas do dia a dia agora em retrospectiva ela conseguia ver Theo se afastando, deixando de corresponder do jeito que um relacionamento pede. Ao mesmo tempo, suas reações frente a esse movimento praticamente não existiam. Via e deixava ir, sem lutar ou mesmo tentar acolher aquele contexto tão triste.
Doía, mas não era apenas pela carta que finalmente validava o tanto que faltou resgatar. Era por saber que ela também tinha desistido muito antes daquele dia; porque no fundo, sabia que não era com ele que ela queria trazer sua filha ao mundo. Em que momento isso mudou?
O que importava é que agora conseguia respirar. Doía, mas a angústia aos poucos dissipava a ansiedade do não saber, de não entender o que Theo pensava ou o que ela de fato precisava.
Cigarro
Ana sentia falta de Olavo.
Voltar para o Brasil para arrumar a papelada deixada por sua avó a fizera revisitar não somente sua família, mas a rotina que por tanto tempo amou. Caminhar pelas ruas arborizadas do seu antigo bairro fazia Ana querer fechar os olhos e sentir a mão de Theo segurando a sua novamente, como nos velhos tempos.
O caminho até o metrô continuava o mesmo, esburacado, cheio de subidas e descidas. O Sol, que há tempos não a encontrava em Moscou, agora estava ali, acariciando o rosto de Ana enquanto ela se permitia enfim fechar os olhos, só por alguns segundos, até o semáforo fechar para os carros apressados de São Paulo.
Ficaria um mês naquela cidade e há uma semana já sentia Olavo distante, limitado a conversas rápidas e superficiais, trocadas rapidamente após um longo dia de trabalho. Existia dentro dela uma necessidade estranha de dividir tudo com ele e, realmente, lamentar sua ausência naquele momento. Era frustrante não poder faze-lo simplesmente compreender completamente o dia a dia que sempre fez tanto sentido para ela.
Foi então caminhando pela rua conhecida quando virou à esquerda numa viela estreita, porém movimentada. A mão cheia de anéis foi passeando levemente pelo muro branco e sujo do cemitério que a acompanhava pelo quarteirão, até que finalmente se permitiu olhar para a esquina do lado oposto da rua.
Lá estava o bar onde se conheceram. Theo estava tão feliz, novinho, recém aprovado na faculdade. Ela lembrava nitidamente da energia que tinha para sair em plena sexta após um longo dia de trabalho. Lembrava também de Marcela e da saia de pano que sempre usava quando se encontravam para sambar. Lembrava principalmente do copo americano cheio de cerveja gelada e do momento em que quase o deixara cair quando Theo finalmente teve coragem de chamá-la para dançar. Naquele momento, ela segurou o copo o mais firme que pôde, com as pontas dos dedos um pouco suados. Eles eram tão novos, pensava ela de forma saudosa.
Anos depois, naquela esquina, lá estava ela, parada com uma pasta cheia de documentos embaixo do braço. O dia estava quente e o bar, fechado. Dava para ver que não tinha fechado de vez e, por um segundo, se sentiu maluca por considerar voltar mais tarde - só para ver se as coisas continuavam as mesmas e, se de repente, Theo ainda estaria por ali. Em sua fantasia, não via Olavo, apenas Theo e, no mesmo instante, se culpou. Sentiu falta das suas mãos conduzindo a dança, da troca de olhares que dispensavam qualquer tentativa de conversa em meio à música alta. Sentiu falta do poder que ela sabia exercer sobre ele, mas também da segurança que sentia quando apoiava a cabeça em seu ombro. Será que ele estaria ali?
Lembrou de uma noite em que ele estava naquela calçada, sentado com um cigarro na mão. Segurava-o apontado para cima, analisando cada aspecto daquele objeto branco e amarelo cheio de nicotina. Por um segundo, se perguntou se ele ainda fazia aquilo - olhar para algo banal de forma profunda, claramente pensando em outra coisa. Naquela noite, ele estava pensando sobre a morte.
A princípio, Ana achava que tudo aquilo era só "tipo" e que Theo falava daquelas coisas porque sabia que ela gostava de refletir sobre assuntos como aquele, profundos. Lembrou de segurar a saia enquanto sentava ao seu lado e, um pouco antes de perguntar se ele pensava na morte por causa do cigarro, decidiu simplesmente não falar nada. Em vez disso, olhou para ele com a cabeça inclinada e sorriu sem mostrar os dentes. Ele entendeu e acendeu o cigarro, agora apoiando os braços nos joelhos dobrados.
Depois disso, viveram juntos uma história bonita e muitas vezes até clichê, com tardes tranquilas dormidas no sofá da sala, noites intensas esquecidas num cinema qualquer do Centro. Mas com o tempo, o jeito como Theo olhava para aquele cigarro e pensava na morte passou a substituir o modo como ele olhava para ela enquanto dançavam, quando palavras não eram necessárias.
Num sobressalto voltou ao presente e decidiu caminhar, relutante.
Foi aos poucos se afastando da esquina como alguém que não quer que o tempo passe assim que o final de semana começa. Sentia que se afastar do bar traria de volta os últimos momentos tempestuosos da sua relação, os sumiços, as frases curtas, a traição. Aos poucos, porém, foi desapegando da ideia de Theo e passou a construir de forma simples e natural a linha do tempo até aquele momento, com Clara, Olavo, em Moscou.
Terminou sua caminhada e entrou no metrô. Olhava os documentos e pensava na sua casa, na falta de Sol, no calor do edredom que ela tanto gostava de abraçar nos dias frios. A Rússia, sem dúvida, não era como o Brasil, mas nenhuma parte dela despertava a dor e a falta de Theo que últimos momentos trouxeram.
Mergulhando com Laurie
Aos que assistem The Leftovers: contém spoilers.
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Laurie era mãe de dois e esposa parcialmente feliz.
No dia em que tudo aconteceu, tinha ido sozinha fazer um ultrassom. Desencontros de rotina.
O sorriso ainda estava estampado em seu rosto, congelado, quando aos poucos foi derretendo ao passo que tentava entender o porquê da pequena imagem ter sumido magicamente do monitor.
A pequena ervilha que só ela conhecia tinha sumido de dentro de sua barriga. Uma ervilha que seria amada por dois irmãos e um pai. Família que não conhecia - e nem iria.
Estava perplexa, não entendeu. Naquele dia, ninguém entendeu.
Ainda deitada na maca, olhou o celular e se deu conta de que ninguém de sua família desaparecera além do seu bebê. Estavam todos bem. Estavam? Estava?
Por isso, ela sabia que ninguém ali de fato conseguiria ajudá-la a superar a dor que ela agora carregava. Ela não podia dividir com sua família porque apesar de várias pessoas terem perdido entes queridos naquele dia, quem ela mais amava não tinha perdido alguém.
Ela não conseguiu compartilhar sua dor porque dividir algo assim com quem se ama não era fácil como dividir aquilo há de bom. Sortudos aqueles que não tinham perdido alguém.
Como mãe, não compartilhar era um jeito de garantir esse status de sorte a sua família.
Desencontros de rotina.
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London Tube
Hoje, enquanto esperava pelo metrô, notei uma menina loira usando óculos escuros parada ao meu lado na plataforma. Dei de ombros e me posicionei para esperar o vagão lotado que estava a caminho. Quando as portas abriram, ela rapidamente entrou, seguida por mim e pelo restante da multidão. Encontrei então um lugar perto da porta e decidi ficar por ali. Sabendo que não valeria a pena sentar, respirei fundo para conseguir manter a calma até chegar o momento de descer dali três estações.
Assim que a porta fechou, ouvi gritos furiosos. A menina, que antes parecia inofensiva ao meu lado, agora brigava ferozmente por um lugar no meio do vagão. Confesso que não consegui enxergar muito bem, mas pude ver rapidamente a expressão de constrangimento da mulher que aparentemente estava competindo pelo mesmo lugar. De repente, um silêncio humano se instalou entre o barulho produzido pelo contato do vagão com os trilhos do metrô. Foi possível sentir uma mistura de curiosidade e constrangimento por parte de todos ali, inclusive eu. Até então, não tinha conseguido entender o que a menina tinha dito ou o porquê dos seus movimentos bruscos com as pernas, como se estivesse tentando afastar as pessoas a sua volta com pontapés.
Depois de alguns segundos, ela voltou a gritar, agora dizendo que tinha problemas psicológicos. Disse que era injusto não ser respeitada porque seu problema não era facilmente perceptível. Nessa hora, meu coração apertou e me compadeci por ela - quis abraça-la e dizer que entendo. Realmente queria. Carregar dores e traumas em locais públicos requer muita coragem porque, no mínimo, as pessoas podem te olhar como se fosse loca caso você diga alguma coisa. Elas normalmente lançam um olhar carregado de julgamento para cima de você, afinal, que tipo de pessoa admitiria suas fraquezas? Não seria uma espécie de sorte bom poder mante-las invisíveis?
Agora tudo fazia mais sentido.
Reparei mais uma vez na mulher que tentou pegar o lugar da menina -agora munida de mais informações e do meu viés - e vi que, embora fosse realmente mais velha, nem de longe ela tinha mais de 60 anos - uns 53 e alguns fios brancos a mais, talvez. Mas como a questão não era essa, então tentei me concentrar no bem estar da menina.
O ponto é que absolutamente ninguém disse nada por um tempo e eu também continuei ali, sentindo uma aflição muito grande, como se fosse minha obrigação atravessar o vagão lotado para tentar acalmá-la e conversar um pouco para que ela se sentisse segura. Não o fiz. Meu egoísmo, preocupado em não perder a próxima parada, unido ao medo de me expor, ainda precisam ser intensamente trabalhados.
Porém, assim que minha estação chegou, ao sair acompanhada por quase metade da plateia que estava comigo no vagão, meu coração ficou mais calmo. Vi uma mulher sentada ao lado da menina e conversando com ela de maneira gentil e serena, bem do jeito que eu gostaria de ter feito - mas não consegui.
Um manual pra quem quer saber como ajudar.
Viver vários dias seguidos a mesma angústia é algo bizarro porque não te deixa respirar direito, pensar direito, viver por inteiro. É como se, no fundo, qualquer palavra nova carregasse consigo o mesmo tom antigo, a mesma velha forma de enfrentar o mundo sem uma vontade real de seguir em frente e esquecer.
O problema de viver uma angústia durante tantos dias seguidos, é que você deixa de se conhecer e começa a questionar atitudes que simplesmente não faziam parte de você. Começa a descobrir um lado seu que normalmente é ignorado e apagado o mais rápido possível quando tudo parece bem. E ele te cutuca, chama e perturba. Cresce devagar, porém constante, sempre de braços dados contigo, pomposo, entrando com o peito estufado quando chega em algum lugar.
As pessoas então te veem, mas não sabem mais sobre o que você vai falar, qual tipo de piada podem contar. Porque tudo te machuca, tudo te lembra aquele momento.
Quando se vive vários dias seguidos de angústia, você começa a questionar quem são seus amigos e, muitas vezes de forma injusta e até masoquista, passa a buscar motivos para afastá-los para longe de você. Você quer muito que alguém te abrace, mas nem de longe quer que essa pessoa perca o tempo dela com você. É um sentimento engraçado, meio mistura de orgulho e carência com talvez uma pitada de irritação; porque você não queria precisar falar ou pedir nada. Não queria precisar trabalhar ou sequer sair de casa. Mas você precisa.
Aí você reprime a necessidade de sumir só por uns dois dias, assim, só pra não se autodestruir. Você reprime a vontade de falar sobre o que você realmente quer falar e é assim que as palavras saem picadas, cansadas entre um assunto e outro no trabalho, entre frases corriqueiras trocadas entre amigas que acham que respeitar o seu espaço é o melhor que pode ser feito por você.
É preciso interditar, abraçar, trazer um pote de sorvete, algumas garrafas de vinho e esperar até você finalmente falar. É preciso ter paciência e uma característica que nem sempre é fácil de se encontrar: É preciso ser gentil; daquele tipo de gentileza em que mesmo quando uma pessoa é dura, você consegue sentir que ela te ama pelo simples fato de que ela faz questão de "estar". Ela quer te ver bem, faz carinho na sua cabeça e ignora a sua idade caso avalie que o que você precisa é de uma canção de ninar.
Em dias de angústia incessante, você também se sente vulnerável, como se qualquer novo segundo pudesse trazer algo extremamente revelador (ou amedrontador). É um misto de ansiedade com arrependimento, como se uma segunda chance pudesse aparecer a qualquer momento para te resgatar ou destruir de vez, nunca sei.
Por isso, se você é do tipo que quer ajudar, surpreenda essa pessoa com algo que a distraia daquilo que ela estava de fato a esperar. Traga um bombom, conte uma noticia boa sobre a humanidade, leve-a para passear e peça favores ou para te acompanhar até qualquer lugar.
Mas se você ama essa pessoa, você precisa ajudá-la a começar a se libertar.
Apareça na casa dela sem se convidar.
Mande uma mensagem dizendo “estou chegando, te amo” e por favor, enxergue além do “Está tudo bem” automático que alguém que vive vários dias de angustia está acostumado a falar.
Tenha coragem de dizer “Eu sei que você não está bem, eu te conheço. Você não está bem, mas vai ficar. As coisas vão melhorar, eu prometo.”
Nessas horas, é bom ter alguém torcendo por você, alguém que traga qualquer notícia boa sobre a sua vida porque você é a última pessoa que consegue enxergar um jeito positivo de continuar.
“Você não está bem, mas vai ficar. Deita aqui sua cabeça no meu colo, não tem nada de errado em chorar.”
Retiro
Eu só precisava de alguns dias de paz, sozinha, sem precisar dividir opiniões ou decisões. Segui então a sugestão da minha mãe e reservei quatro diárias em uma pousada perdida no meio do nada e, para a preocupação ser a menor possível, paguei logo 20% adiantado e já inclui o serviço de transporte.
Ainda em São Paulo, cheguei no ponto de encontro e esperei. Aos poucos, meus companheiros de transporte começaram a chegar e eu, me sentindo cada vez mais perto dos tão sonhados dias de tranquilidade, só queria ser invisível.
Os livros na minha bolsa de pano pesavam bastante e eu só conseguia me sentir ansiosa por finalmente dispor de tempo para enfrentar todos os pesos que estava levando comigo naquela viagem. Considerando que começar pelo peso dos livros seria menos assustador, retirei o primeiro da bolsa e pedi um café para acompanhar. Começar a ler naquele momento fazia parte da minha estratégia, assim todos ali já assumiriam que a vaga de antissocial do grupo já estaria ocupada.
Ao abrir a capa e continuar a leitura de onde tinha parado (se é que estar na segunda página conta alguma coisa), ouvi uma voz desconhecida tentando me conhecer.
Eu só queria sumir.
Era uma mulher de mais ou menos 45 anos, talvez menos, mas aparentando mais; estava "acima do peso" e tinha cabelos desajeitados. O fato de ela ter ignorado a minha leitura me irritou muito porque quando alguém faz isso, só pode significar que a pessoa não tem empatia alguma para entender o verdadeiro motivo que leva algumas pessoas a lerem em público.
Acho incrível como algumas pessoas não captam ou simplesmente ignoram/desafiam alguns sinais bem óbvios (livro aberto ou fones de ouvido, por exemplo). Mesmo assim, respirei fundo e fui simpática ao responder o meu nome, porque imaginei que ela talvez só fosse uma pessoa insegura ou bastante sociável. Grande erro.
Após 2h30, finalmente chegamos. Tomei uma sopa de inhame a contragosto e parti para o meu quarto com uma caneca de chá na mão e meu livro na outra. Apesar de estar escuro, a vista do quarto era linda e a cama, de casal. Um dos motivos de ter decidido ficar uns dias reclusa tinha a ver com a necessidade de tirar o ex da cabeça de vez. A cama de casal ali, só para mim, fez meu peito doer um pouco.
No dia seguinte, acordei no meu tempo e, após ignorar o despertador várias vezes, finalmente conseguir levantar em meio ao frio para tomar um banho quente. Coloquei uma roupa confortável e passei o básico de maquiagem. "Melhor estar preparada", pensei. Incrível como demorou para desligar e aceitar a proposta que eu mesma tinha feito.
Caminhei sem muita empolgação até o salão de café da manhã sabendo que não teria nenhum pão de queijo ou bolo de cenoura com calda de chocolate esperando por mim. Com o livro grosso embaixo do braço, me servi de alguns pedaços de fruta e uma fatia de pão integral com mel. "Poderia ser pior", pensei. Não demorou cinco segundos para que eu me arrependesse de ter me permitido pensar a última frase.
Com o livro aberto e a xícara de chá quente a minha frente, via a mulher entrona pendurando seu casaco na cadeira em frente a minha sem me dirigir a palavra e em seguida foi logo em direção ao aparador para se servir. Revirei os olhos sem pudor e analisei rapidamente o meu prato, rezando para que faltasse pouco para terminar e assim usar isso como justificativa para não ficar e poder ler o meu livro em paz em qualquer outro lugar.
Eu juro que não queria parecer tão má e antissocial, ainda mais escrevendo agora que tudo já passou. Mas, na hora, me senti extremamente invadida e desrespeitada. Acho que nessas horas o estado de espírito conta muito. De qualquer jeito, ainda faltava metade da fatia de pão e 2/3 da xícara de chá. "Merda". Nunca consegui conter os palavrões mentais muito bem.
Enquanto ela voltava devagar, comecei a me perguntar se aquilo que eu sentia não seria algum tipo de fobia por pessoas desconhecidas ou se não seria apenas sintoma de uma rotina envolta por pessoas conhecidas demais. E o mais bizarro é que eu não queria tratá-la mal e, por isso, novamente, respirei fundo, sorri e cedi quando ela perguntou se poderia sentar ali, apesar de já ter se apropriado do lugar muito antes.
E assim o dia passou. Eu tentando ler, me esgueirando pela pousada em busca de locais seguros e sossegados enquanto passava grande parte do tempo fugindo da mulher entrona que, de um jeito ou de outro, acabava me encontrando. Naquela tarde, considerei se não valeria mais a pena voltar para São Paulo e aceitar que ter pelo menos alguns dias de introspecção e descanso não fazia parte da minha sina.
Eu estava simplesmente odiando não conseguir encontrar um jeito de fazer a mulher entrona se tocar. Porque o problema não era a idade, peso ou gênero dela. O problema era a insistência e falta de sensibilidade. Era o casaco pendurado do outro lado da mesa sem perguntar se podia, era me perguntar o que eu estudava ou se namorava sem ligar para a possibilidade desse tipo de conversa, naquele momento, estar proibida. Perguntas trocadas e erradas levaram a uma grande e mal educada antipatia.
Claro que me sinti mal por isso, por ela.
Pensei várias vezes em como do mesmo jeito que tenho pessoas muito queridas em minha vida, ela provavelmente também era querida por alguém. E mesmo assim, eu não sentia a menor curiosidade em conhecê-la. Fiquei triste por mim e comecei a me culpar. Sou uma pessoa séria, mas não sou má.
Passei a me esforçar para ser mais simpática, perguntei uma ou duas coisas para ver se ela poderia, quem sabe, se tornar uma pessoa querida por mim também. Então, numa tarde fria do terceiro dia, percebi. Por que eu tinha que ser obrigada a virar amiga de viagem dela se o meu principal objetivo ali era reclusão absoluta para pensar e conseguir respirar? Por que eu precisava ter empatia por ela se ela, em nenhum segundo, teve empatia por mim?
Como disse, não sou uma pessoa má. Por isso, precisava pensar em um jeito de dizer para ela que estava incomodada, mas sem magoá-la. Como fazer isso? E mais: precisava ser rápido porque já estava me sentindo muito sufocada e a viagem, no fim.
Na manhã seguinte acordei um pouco mais tarde para já pegar o café da manhã no final. Quando sai do quarto, vi a mulher sentada no hall que ligava os quartos ao salão de café da manhã.
Suspirei e rezei para que alguma sabedoria matinal me iluminasse.
Ela olhou para mim e disse sorrindo:
- Pensei que você não viria mais. Estava te esperando para tomarmos café da manhã juntas.
Respirei fundo mais uma vez e fui caminhando em direção a ela. Sentei ao seu lado no banco de madeira perto da lareira acesa e disse com muita sinceridade e da forma mais amável que consegui:
- Anne, nós não somos amigas... Vim para cá buscando tranquilidade porque passei por um semestre difícil. Eu gosto de você, mas vim para cá para ficar em silêncio, entende? Não quero te magoar, mas realmente preciso do meu espaço. Entendo se você ficar chateada e pensar que sou antisocial, mas não posso abrir mão do objetivo que me trouxe aqui.
Ela apoiou a mão direita na minha perna levemente, levantou e consentiu com a cabeça enquanto sorria.
Não nos falamos mais até o último dia quando nos despedimos em São Paulo.
- Obrigada por entender.
Ela consentiu com a cabeça pela última vez e entrou em seu carro.
Deixa ir
A sua aparência agora é mais abstrata, já não te vejo com tanta frequência e isso me assusta. Não lembro com tanta certeza da cor dos seus olhos ou dos pequenos detalhes que antes tiravam o meu sono, mas que também me incentivavam a levantar na manhã seguinte. Confesso que, às vezes, entro na sua página para ver alguma foto sua, relembrar os seus trejeitos e reviver o sentimento engraçado que o seu sorriso sempre despertou em mim; mas que já não desperta mais assim, tão prontamente.
Aí foco nos teus cabelos, lembro de cada fio curto encostando nos meus dedos enquanto acariciava a sua cabeça antes de dormir. Era bom passear pelas suas costas, contornar a sua musculatura enquanto ouvia você prometer que jamais me deixaria partir. Porque você já sabia...
Eu nunca pedi que você prometesse isso, sequer disse que iria embora. Nem por um segundo usei qualquer palavra que insinuasse a minha ânsia repentina de sumir, mas você sacou e me olhou calado, com a cabeça meio de lado, sem muito bem entender o porquê de eu ser assim: tão urgente dos momentos, do querer, sem porquês. Você me olhava enquanto eu estava em seus braços e, numa terça esquecida, desfez o meu sorriso ao finalmente peguntar quando eu planejava partir.
Gostaria de dizer que me senti surpresa, que precisei de um tempo para respirar e pensar numa resposta que não comprometesse tudo aquilo que você sentia por mim. Como não consegui fingir surpresa, simplesmente sentei, olhei para o chão, dobrei uma das pernas e segurei um dos braços com a outra mão. Quando eu planejava partir?
Tentei então descontrair. Fingi virar as páginas da minha agenda imaginária em busca de qualquer data até que ele finalmente desistisse daquela pergunta certeira; mas não, continuou ali, olhando diretamente para mim, agora sem inclinar a cabeça como tinha feito antes.
Como já não via o mesmo sorriso de antes, decidi fechar a agenda, aproximei meu corpo ao dele calmamente e respondi da forma mais honesta que jamais tinha feito com qualquer homem: "Eu não sei".
Talvez eu não lembre muito bem da cor dos seus olhos, mas lembro das lágrimas se formando e da maneira como aquilo me atingiu. Confesso que não fiquei triste por ele, sequer pensei em reformular a minha resposta. Era fato que eu gostava dele, mas por que então parecia tão difícil aceitar tudo do jeito que estava? Significava que precisaria mentir? Suas lágrimas me atingiram porque sabia que o sentimento dele por mim era real, porque eu queria poder sentir por ele o que ele sentia por mim, nem que doesse.
Ele acariciou o meu cabelo comprido, deixou um dos dedos se prender em uma parte que estava levemente emaranhada. Ele gostava de mim, amava cada defeito que eu tanto tentava esconder e isso fazia com que eu me sentisse ainda pior. Precisava partir.
Finalmente percebi que pelo menos naquele momento, ele merecia algo que fosse real, mesmo que estivesse longe de ser amor. Tinha consideração, mas já não podia continuar ali, fingindo. Encostei a cabeça em seu peito e ali ficamos longos minutos em silêncio, vivendo aquele momento bizarro. Falamos tchau sem usar qualquer palavra, apenas absorvendo ao máximo o que o outro tinha para compartilhar. O toque, respiração e cheiro foram pouco a pouco deixando de ser cotidiano para se tornarem memórias para um futuro que já não estava longe de chegar.
O celular brilhou mas não emitiu nenhum som, apenas refletiu nos olhos dele, atento e curioso tentando ler quem estaria procurando por mim. Respirou aliviado, era minha mãe. Pude sentir seu coração batendo mais rápido, o pescoço rígido consequente do levantar de cabeça. Era uma tarde quente e eu estava ali, só para ele. Mesmo que se tratasse de um momento de despedida, estava feliz ali, vivendo aqueles últimos segundos de paz com alguém que sempre vou gostar.
Mas ao mesmo tempo, o brilho do celular, o medo de descobrir quem seria o possível responsável pela minha partida, fazia com ele abrisse mão dos nossos últimos momentos em nome de uma curiosidade masoquista que sempre repudiei.
Isso me irritou e fez ainda mais com que eu quisesse partir.
Mas ele me abraçou e eu não resisti. Porque qualquer que fosse o sentimento dele por mim, sempre seria mais real e sincero do que a culpa que eu estava me obrigando a sentir.
No meio da noite ele me viu partir.
"I know the gamble never works twiceAll the distractions of the table and the weighted diceBut the thrill it feels so nice, you do it all again."
http://youtu.be/ZUVh3x3-I-s
Margarida
Alguma coisa estava diferente. Ela não sabia exatamente o que era e também não sabia se o que sentia poderia ser classificado como bom ou ruim. Sua mania esquisita de tentar separar em categorias os mais diversos sentimentos fazia com que ela perdesse minutos valiosos de sua vida. Segurou a xícara de café com as duas mãos e deixou que o vapor encontrasse levemente a ponta do seu nariz.
Olhava para frente, infinito, tímida, sem saber direito o que procurar. Fazia frio e ficar sentada na grama úmida durante horas já não incomodava como nas primeiras vezes.
Sentiu o celular vibrar. Não pagara a conta.
Apoiou a xícara no colo, aninhando o objeto entre as pernas cruzadas e colocou uma das mãos atrás de si, apoiando o corpo. Sentiu a grama úmida, a terra entrando embaixo das suas unhas que há muito deixara de pintar.
Ouviu alguém se aproximando mas não teve interesse em virar para ver quem era. Naquele momento, ela não se importava e também não queria sair daquela posição e acabar derrubando a xícara no colo... Sabe como é.
- Oi.
-Olá. Respondeu sem olhar para o lado. Pôde ver com o canto dos olhos a blusa azul de manga comprida e um nariz forte, romano, conhecido. Ele sentou com as costas arqueadas e segurava os pés com as duas mãos, tentando segurar também uma margarida meio capenga.
- Sabe... Você é bastante previsível. Tinha certeza de que você estaria aqui. Tá pensando no quê?
- Sei lá. Não sei muito bem no que as pessoas pensam nesse tipo de situação, acho que é por isso que eu continuo voltando aqui. Só vou conseguir deixar de vir quando encontrar um propósito para este lugar.
Ela continuava na mesma posição, mas agora uma mecha de cabelo havia caído em seu rosto e estava atrapalhando um pouco a vista. Ela torcia para que o vento aumentasse ou que David arrumasse seu cabelo. Marina realmente sentia falta dos dias em que ela deitava no colo dele e ficava por horas brincando com o seu cabelo leve e castanho.
- Vi esta flor no caminho e lembrei de você. Achei engraçado encontrar uma margarida assim, do nada, bem quando estava vindo pra cá.
- Aposto que você passou numa floricultura.
Ele olhou para ela e sorriu.
- E também aposto que você não tinha grana e conseguiu essa de graça porque não está mais tão bonita.
- Touché.
- Você também é bem previsível, disse ela agora olhando para ele, fazendo força para não sorrir de volta, para não se apaixonar novamente por aqueles olhos verdes que tinham o poder de fazer com que ela se sentisse nua diante dele.
- Sorri pra mim, vai. Eu vim aqui só pra isso...
Ele estendeu a margarida, mas não esperava que ela fosse deixar a posição atual para pegá-la. Então apenas colocou a flor ao lado dela, bem perto da garrafa de café, em cima do livro que ela comprara para ler nas férias.
- Sorri, vai... E foi então chegando perto, aproximando seu rosto ao dela enquanto tocava com a mão direita a mecha de cabelo que ela tanto implorara ao vento para arrumar.
Ela então finalmente sorriu e ele sentiu que ela estava ensaiando para mudar de posição. Respirou. Ele abriu um pouco os ombros, mais receptivo caso ela abraçasse de vez a decisão que estava com tanto receio de tomar. Foi chegando mais perto, como quem não quer nada e encostou a cabeça no ombro dele, ainda sorrindo, calma, leve.
Tinha finalmente encontrado um propósito para aquele lugar.
"Manhã cedo agora é bom de levantar,Toda a dor que me aparece eu te conto,Você me cura sem sequer notar."
Baby I'm sure - Mallu Magalhães
Lóri ou Mariana, prazer.
"Lembrava-se de que a última palavra dele fora "adeus". Mas ele sempre se despedia assim. Como se cortasse de uma vez para outra o vínculo? E ambos ficassem em liberdade, um do outro? Lóri sabia que ela própria é quem cortara vínculos a vida inteira, e talvez alguma coisa nela sugerisse aos outros a palavra "adeus"."
- Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, Clarice Lispector - Editora Rocco Ltda., 1998, página 107
VIII- Moscou
- Alô?
- Ana?
Foi
quando reconheceu a voz de Theo. Seria possível?
- Theo,
como foi que me encontrou?
- Ah,
oi... É que eu senti a sua falta. Sabe, já faz quatro anos que não nos falamos.
- Pois
é. Como me encontrou?
- Eu
pedi o seu número para a Marcela. Espero que não se importe.
Ana
não respondeu. Não sabia o que dizer. Será que ela se importava? Olhou para o
lado e viu Olavo dormindo tranquilamente. Clara estava na casa de uma amiguinha
e os dois tinham acabado de passar uma noite ótima juntos. Será que ela se
importava?
- Ah,
está tudo bem. Quero dizer, não estava esperando a sua ligação. Você está bem?
- Sim,
estou. É que eu sinto a sua falta, Ana. Sei que talvez seja egoísmo ligar assim, tão de repente, depois de tanto tempo e escancarar o que sinto desse jeito mas a
verdade é que não estou conseguindo levar a vida sem você.
Mais
uma vez, Ana olhou para o lado. Olavo era tão bom para ela e sua vida estava tão boa na
Rússia... Fazia mestrado na Universidade de Moscou e vivia com Olavo há quase
três anos. Clara estava cada dia mais bela e inteligente e adaptara-se
surpreendentemente bem ao clima e personalidade da cidade russa.
- Theo,
as coisas mudaram. Estou aqui na Rússia agora. O que você quer de mim?
- Queria
ver a Clara, ser pai dela. Na época fui muito infantil e me arrependo
todos os dias por isso.
- Eu
sei. Pergunte para a Marcela quantas vezes ela te ligou lá do
hospital, quantos dias ela deixou de ir ao trabalho porque além dos meus pais,
você era a pessoa que mais precisava estar lá e não esteva. E eu não vou dizer
que são águas passadas porque não são, e você sabe. Agora que a Clarinha está
crescida e não tem mais fraldas para trocar é muito fácil me ligar e tentar
reatar. Mas a real, Theo, é que eu estou feliz aqui. Conheci um homem que quis
que eu fosse parte da vida dele e não ao contrário como aconteceu com você.
- Não
sei muito bem o que dizer.
- É,
eu imaginei que fosse dizer isso.
Ana desligou
e viu Olavo acordado, olhando para ela. Dos olhos de Ana brotaram lágrimas
grandes e pesadas que deram inicio a um choro desesperado e
ininterrupto.
Olavo não disse nada,
apenas a abraçou. Não entendia muito português, mas ao ouvir o nome “Theo”, percebeu
do que se tratava. Estava seguro em relação aos sentimentos de sua companheira
mas também sabia muito bem que o passado poderia doer
VII- 14 de Agosto
Nascera linda,
como a mãe. Marcela segurava a menina no colo enquanto Ana dormia no quarto de
hospital. A amiga e agora madrinha acariciava com cuidado a têmpora de Clara
enquanto olhava preocupada para o celular ao seu lado. Onde estaria Theo? Às
vezes ela se perguntava como Ana poderia amar tanto alguém que não valoriza
datas, que sequer fora capaz de atender o telefone quando sua namorada estava
prestes a dar a luz.
Não, na verdade Marcela ficava revoltada, triste
por ter uma amiga tão mais nova e que já era dona de uma vida tão intensa
apenas aos 22 anos. Ela, aos 30, finalmente ficara noiva de André. Ao contrário
do que normalmente todos imaginam, era ele quem insistia para se casarem. Marcela,
assim como Ana, nunca soube lidar muito bem com relacionamentos apesar de
sempre estar metida em algum. A traição fora sua companheira por muitos anos e
agora já não tinha mais forças para achar graça na injustiça. Ter aquela criança em seus braços fez com
que por um segundo ela invejasse a amiga; mas em seguida, olhou para a
quase-adolescente deitada na cama de lençóis brancos e sentiu o seu coração
pesar. Ela não invejava a amiga, mas queria mais do que nunca poder lhe ser
útil nesse momento tão turbulento de sua vida.
Sentada na
poltrona ao lado, de repente se deu conta de que nunca chorara por Ana. Lembrou
de quando se conheceram no colégio em que trabalhava e a amiga estudava.
Afinal, o que raios estava pensando quando resolveu deixar uma menina de 15
anos entrar na sua vida? Ela não sabia, mas também não se arrependia. Ao longo
dos anos, cada dia mais elas descobriam coisas novas sobre outra e também sobre
si. Ana aprendeu com Marcela a beber, sambar e dirigir
enquanto Marcela, que julgava não ter nada para aprender com a amiga mais
nova, se deu conta de que era justamente isso que estava sendo evidenciado ali:
O coração de Ana e a admiração que ela tinha por Marcela despertavam
o melhor na amiga mais velha e faziam com que ela quisesse sempre ensinar e
mostrar para Ana o melhor jeito de se viver.
Enquanto Theo não
chegava, devolveu Clara ao berçário e segurou uma das mãos da amiga. Aninhou-se
cautelosamente na cama e olhou atentamente para Ana. Ficou assim por um bom
tempo, acariciando uma das mechas de cabelo da amiga com a outra mão, apenas
analisando cada traço daquela recém mãe que vira crescer. Era um sentimento
estranho, nostálgico e até um pouco triste. Já estava quase adormecendo quando
sentiu uma lágrima escorrer.
.
XI- “Ego(lir)ísmo”
- Sabe, Ma... Estou
cansada. Às vezes eu queria que as pessoas parassem de falar só por cinco
minutos. Não aguento mais as pessoas se intrometendo tanto nas escolhas que vão
fazer diferença tão e somente na minha vida, entende?
- Sim.
- Sim? Só isso?
- Eu entendo o que você
quer dizer, mas você não iria aguentar. - Disse Marcela enquanto olhava com
atenção para a tela brilhante do computador que estava em seu colo.
- Como assim, “não iria
aguentar”? Me diz, quem é que não quer ser deixado em paz?
- Ninguém. Inclusive você, Ana.
Marcela fechou a tela do notebook,
colocou o aparelho sobre a mesa de madeira e foi até a cozinha. O apartamento
de Marcela era pequeno porém aconchegante e Ana, sempre que dormia lá, mesmo
que fosse no colchão apertado ao lado da cama da amiga, dormia bem, tranquila.
Ela realmente gostava daquele lugar.
Enquanto procurava qualquer coisa na
geladeira, continuou o seu raciocínio:
- Se por um acaso o seu pedido infantil fosse
atendido, sabe o que iria acontecer? Você enlouqueceria. É isso mesmo:
EN-LOU-QUE-CE-RI-A. Fechou a geladeira segurando duas garrafas de
cerveja, pegou a chave do carro e usou o abridor que também servia como
chaveiro para abri-las. Aproximou-se da amiga e estendeu a mão oferecendo a
bebida. Sorriu e continuou- E sabe por quê? Porque a nossa vida, não é nossa,
Ana. A gente simplesmente não consegue viver sem o outro, entende? Então, por
mais que você esteja reclamando agora, acredite, é melhor ter gente por ai
interessado na sua vida do que chegar em casa no final do dia e perceber que as
pessoas nem lembram que você existe.
- Você está chateada?
- Eu só estou tentando evitar que você continue
nutrindo esse pensamento egoísta.
- Você está chateada?
Quando eu disse que queria paz por 5 minutos, eu não quis dizer “paz de você”.
- Eu sei disso, é que você
não entendeu aonde eu quero chegar. Por isso não respondi da primeira vez.
Queria ter certeza.
Marcela sentou no chão com as costas
apoiadas no assento do sofá de dois lugares. Com o controle remoto na mão,
passava de canal em canal rapidamente como se já soubesse a programação
enquanto voltava o seu olhar para Ana e dava pequenos goles em sua cerveja.
- A nossa vida, não é nossa. Se você morrer, eu vou
chorar, entende? Se eu resolver sair por aquela porta agora, isso vai causar
algum impacto na sua vida, espero eu. Os seus pais não se intrometem nas suas
escolhas porque eles não têm o que fazer da vida deles. Eles fazem isso porque
querem que você seja feliz, só isso. A princípio pode parecer algo óbvio, mas a
real é que ninguém no mundo sabe totalmente como lidar com isso. Você precisa
entender que saber gerenciar as suas vontades com as dos outros, que se
importam com você, é uma característica notável e muito madura.
Ana ficou em silêncio por alguns segundos. A
expressão em seu rosto demonstrava aceitação porém em seus olhos era possível
notar que ela ainda estava refletindo sobre o assunto. Finalmente, quando
Marcela já tinha direcionado a sua atenção para o seriado que passava na
televisão, Ana exclamou:
- Mas, espera... Então... Se eu morrer, você vai
mesmo chorar?
- Pra caralho.
Suco de Laranja
"Diz pra mim se vale a pena, amor
A gente ria tanto desses nossos desencontros
Mas você passou do ponto e agora eu já não sei mais..."
Finjo
que não te vejo porque não quero ter que agir como tonta caso tivesse que lidar
com você. Porque eu perco o chão, as palavras, a postura.
Eu
finjo não te ver e passo reto porque quero o gostinho de ter você me puxando
pelo braço, buscando qualquer abraço reprimido meu. Porque ele cresce quando te
encontro, quando te encosto em mim e você me encosta em você. Nossos corpos se
tocam com delicadeza porém franqueza, como quem sabe o que irá encontrar.
Hoje
te vi do outro lado da rua e não corri. Simplesmente continuei minha rota torta
em direção ao carro, como quem não quer nada, como quem não viu nada,
especialmente você. Admito ter dado passos longos e calmos, sem muita pressa,
pra dar tempo de você me ver e me querer, pra dar tempo de, quem sabe, você
caminhar atrás de mim e pedir pra entrar no carro comigo, assim, como quem não quer
nada.
Mas
você não veio... E os passos foram se tornando grandes demais para a minha
ansiedade, pesados demais para o meu coração. Fui cansando aos poucos, me
frustrando rápido demais, sem medir qualquer consequência, sem ponderar que
talvez, você tivesse certeza de que eu tivesse te visto primeiro. E vi. Me viu.
E
foi por justamente saber que eu tinha te visto, que você sorriu. Do outro lado
da rua, você sorriu assim que virei contra minha vontade e fui em direção ao
carro. Por um segundo, senti você tentando atravessar, ensaiando para me
alcançar e dizer que aceitava a derrota, que eu tinha ganho, que você era o
gato e eu o rato. Mas depois também senti você ali, brincando de algo a mais.
Senti você brincando com os meus sentimentos, com as nossas memórias, os nossos
planos.
Vi você segurando um molho de chaves e um copo de suco de laranja e, por um segundo, pensei ter visto quando seus lábios se moveram mudos
enquanto diziam “pare de fingir”.
Meio Fio
Theo
sambava enquanto segurava a cintura de cada moça com segurança e sensualidade, como se
a dança fosse uma válvula de escape para tudo o que estava guardando dentro de
si. Girava de um lado para o outro, conduzia cada companheira com agilidade, a
mesma que o fizera conquistar Ana quando se conheceram.
Seu olhar permanecia fixo em algum ponto perdido em meio à multidão que os
cercava, enquanto sua cintura eseus pés seguiam o ritmo da música. Eles tinham o incrível poder de fazer qualquer mulher dançar, da mais inexperiente
até a mais ousada. Ana
era ousada.
Na
primeira vez em que a viu, estava um pouco bêbado, muito feliz por ter sido
aprovado no vestibular de arquitetura na Universidade de São Paulo. Ela estava
perto do bar, acompanhada por uma ou duas amigas também muito bonitas, mas que
jamais teriam a capacidade de cativá-lo do jeito que ela fez. Olhou para ele,
tomou um gole da cerveja gelada e sorriu. Seus
olhos verdes sugeriam um toque travesso, como se ela quisesse muito fazer algo
errado pelo simples fato de o ser. As suas mãos de dedos finos e delicados
seguravam o copo com classe mas ao mesmo tempo inspiravam confiança, como se
ela fosse o tipo de garota que aprendeu cedo a viver.
Theo
dançava e lembrava, suspirava profundamente e enganava a companheira da vez,
fazendo-a acreditar que tal suspiro talvez fosse, para ela, de paixão. Talvez, se
ele mantivesse o contato visual que normalmente existe entre aqueles que
dançam, ela teria percebido sua tristeza, o tamanho da saudade que ali era a
grande responsável por apagar o brilho dos olhos de um moço apaixonado pelo
samba e por uma mulher que agora estava longe, viajando pelo mundo com sua filha
em busca dos sonhos que ele não tivera coragem de realizar.
Assim
que a música terminou, saiu do bar pequeno e mal decorado para fumar o
costumeiro cigarro no meio fio. Sentou-se na guia, acendeu um dos vinte e ficou
ali, analisando o seu companheiro feito de papel e tabaco. Logo ele também
acabaria, pensou.
“Are we simply romantically challenged, or are we sluts?” ~Carrie
Poeira.
Veio assim, do nada, como quem não quer nada.
Renata estava sentada no sofá que acabara de comprar, com os pés em cima da almofada que deveria tomar todo o cuidado do mundo para não sujar.
Mas a verdade é que ela não ligava; estava cansada.
Seus olhos mareados buscavam na sala vazia algum sentido para viver, qualquer resquício de felicidade que talvez estivesse junto à poeira esquecida no rodapé.
Tomou um gole d'água, calmamente. Repousou o copo na pequena mesa de madeira ao lado do sofá e segurou o controle remoto da televisão mas não apertou o botão grande e vermelho. Renata estava só, cansada, frustrada, mas não conseguia suportar a ideia de sucumbir e entregar a sua atual crise existencial nas mãos de um programa de televisão qualquer.
Abandonou o controle e, mais uma vez, olhou em volta. Pensou em ler, talvez. Mas ai lembrou que já sabia o final do livro e que a moça morreria, assim, por pura e espontânea vontade, por saber que a vida nada mais era, para ela, do que uma grande enganação.
Espirrou por causa da poeria mas não pensou em limpá-la naquele momento. Mais tarde, talvez. Agora, estava se sentindo estranha, fraca, sem muita vontade de tornar o ambiente melhor. Isso porque inconscientemente, ela com certeza sabia que, assim, talvez o seu humor melhoraria também.
Doía porque não tinha certeza, porque não queria por as cartas na mesa e apostar no seu sonho, naquilo que ela julgava realmente lhe fazer bem.
Renata repensava cada jogada, cada palavra trocada, enfim, cada escolha que decidira tomar até então.
Aí percebeu. Era por isso que sofria a pobre menina.
Ver os seus sonhos, um a um se esvaindo pela janela era quase tão frustrante quanto saber que não iria atingir aqueles que tinha escolhido para substituir os verdadeiros. Essa coisa de precisar viver, ter sucesso e "subir na vida" assustava Renata e quando viu, estava de pé na sala escura do apartamento vazio e empoeirado onde sempre viveu.
Por um segundo esqueceu onde estava ou o que sentia. Apenas andou três ou quatro passos até o aparador que ficava embaixo da janela de alumínio e ligou o pequeno rádio que ganhara num natal qualquer.
Ela não sabia a letra ou o nome do cantor. Não sabia se alguém já teria inventado passos para a música que estava tocando, mas naquele momento, ela não estava interessada em nada daquilo.
Simplesmente sorriu e quase que por uma fração de segundo quis se punir, tampar a boca com as mãos caso alguém estivesse vendo e viesse até ela apontar o dedo e gritar sem nenhum motivo plausível.
Ela sabia que era maluca, coitada, mas doía.
A frustração de carregar todos os traumas que foram se acumulando durante a sua formação fazia com que ela sentisse que precisava arriscar, sabe, pra não acabar com a cabeça no trilho do trem, como a moça do livro fizera, coitada.
Sofria, mas Renata sabia que se não dançasse naquele momento, que se não tirasse as mãos do rosto e deixasse o seu sorriso desgostoso se transformar em algo lindo e aberto, jamais reagiria e sem dúvidas acabaria ali, sentada num sofá novo, pisando na almofada nova que comprara com o dinheiro provindo de uma escolha que ela um dia julgou ser mais sensata do que aquela que realmente faria com que ela estivesse naquela mesma sala gargalhando com bons amigos, enquanto comiam pizza e tomavam cuidado com a almofada velha que Renata sempre gostou.
Eternal Sunshine Of The Spotless Mind
"Eternal the sunshine where spotless the mind
Nothing can injure what nothing can find
Erasing the sorrow; unfulfilling lament
Too much has been given, too much has been spent
Perchance for removal every schism and strain
The depth of the scarring that at once caused such pain
Forgetting the heartbreak, disappointment and loss
Remembrance is sadness we have all come across
So fresh from the suffering what memory designed
Eternal the sunshine where spotless the mind"
Futura tattoo : )
Empolgada, eu? Magiiiina!
Mãos.
Ela estava confusa, cansada e tremendamente solitária.
A certeza de que o dia ainda demoraria para chegar ao fim devorava qualquer possível sorriso, qualquer sonho ou decisão que pudesse tirá-la dequele sofá de couro velho.
Chovia e fazia frio.
Sentia falta, saudade.
Estava totalmente depremida e isso fazia com que ela sentisse um aperto absurdo dentro de si.
Mudou de canal sem se preocupar em encontrar algo que de fato prestasse e logo que se deu conta de que nada que passasse ajudaria a resolver sua questão existencial babaca, levantou.
Deitou de qualquer jeito na cama macia e fechou os olhos suavemente.
Ela não queria sofrer, não queria pensar... Só queria dormir.
Virou de um lado, voltou para o outro e quando viu, estava com as duas mãos junto ao peito, como se estivesse rezando.
Tudo aconteceu mais do que instintivamente e logo que se deu conta, estava respirando fundo e rezando palavras que em nenhuma outra situação poderiam parecer mais sinceras.
Era bem mais do que uma questão existencial babaca.
Era, sem dúvida, uma ponte quebrada, um momento de reflexão que há muito tempo ela não tinha.
Logo que percebeu as mãos unidas sob o queixo, por um segundo se reprimiu e escondeu-as como se tudo aquilo fosse errado, como se fosse fora da lei rezar ou simplesmente refletir sobre qualquer coisa antes de dormir.
Olhou para os lados, viu a porta fechada e deu de ombros.
Sorriu.
Juntou vagarosamente as palmas das mãos novamente sob o queixo e ainda sorrindo, continuou a se imaginar recitando suas palavras mágicas.
Não demorou muito para que ela pegasse no sono. Para falar a verdade, logo que acordou não conseguia sequer dizer o que tinha sonhado.
Isso sim é dormir tranquilamente.
De que modo?
Nem ideia.
Só resolvi passar aqui e escrever qualquer coisa, para não dizer que ando deixando os velhos costumes de lado.
Mas quer saber? Talvez eu esteja.
Café Filosófico I O que pode o Corpo?
O NOSSO CURRICULO ESCOLAR SE CHAMA GRADE.
Será que tem algo errado?
ética é atitude. atitude é corpo.
"Não são raros os gênios, são raros os gênios de mil braços capazes de agarrar o momento certo."- Nietzsche.
a energia que está no meu silêncio...
Entender é dominar. Dominar é controlar.
Canção Excêntrica - Cecília Meireles
"Espaço é o que a nossa experiência faz dele"
A vida é uma inversão. E tbm uma invenção.
Nós não habitamos o nosso corpo, nós somos o nosso corpo.
Hoje é dia 9, dia q Clarice Lispector faleceu. Se vc se considera um pouco culto e esta procurando algo realmente bom para ler, leia Clarice. Não espere compreende-la, pode deixar q ela te compreende por vc.
Escrever
Fazia tempo que Manu não parava para escrever.
Por um segundo, ao ler alguns dos seus textos antigos, sentiu uma nostalgia estranha, como se escrever pudesse voltar a fazer algum sentido, como se a própria criatividade fosse capaz de mostrar-lhe lados que antes não via, reflexões distantes que durante o dia-a-dia corrido não aparecem assim tão simplesmente.
Escrever fazia bem, mostrava a verdade e ao mesmo tempo tinha o dom de fazer esquecer ou enfeitar algo que poderia ter sido tão bom quanto realmente foi.
Escrever era quase que uma terapia, por assim dizer.
Vida Besta
Domingo a noite com cara de sábado.
A vontade de me arrumar é a mesma, o sapato de salto no armário continua ali, em baixo do vestido curto pendurado no cabide de madeira.
Talvez seja muito simples trasformar um domindo num sábado, uma segunda numa sexta...
Mas o que irrita é que nem todo mundo está afim de abraçar essa ideia maluca.
Mas eu vou dizer uma coisa... Eu que nunca fui impulsiva, mesmo de pijamas, estou quase chamando um taxi.
5am
Como começar a escrever? Ou melhor, descrever.
Porque sinceramente, a felicidade que eu estou sentindo agora não pode ser comparada, explicada ou sequer revivida.
Há tempos que nós estávamos planejando tal conversa. Vivemos distante, mais precisamente à dois oceanos de distância, seis horas de diferença, 9 anos entre uma idade e outra.
Como de costume, arranjei uma amizade mais velha.
E pela primeira vez, não vou alterar nomes ou inventar histórias fantásticas. Apenas o nome de Manu seré mantido.
5 da manhã.
O despertador tocou antes do horário habitual. Embora ele e a menina que dormia ao seu lado não estivessem acostumados a "funcionar" antes da seis, Manu levantou num pulo, sem ao menos repensar a possibilidade de desligar o aparelho e voltar a dormir.
Pegou rapidamente o computador na mesa em frente à sua cama e ligou-o com ansiedade. Seus olhos brilhavam e a esperança mantinha suas pálpebras abertas. Ela sorria e a pesar de saber da possibilidade de seu plano falhar, algo muito maior a fez persistir e ter certeza de que finalmente tudo daria certo.
Mas Alina não estava lá. Não havia ninguém online. Ninguém.
Mas nem por isso Manu se desesperou. Respirou fundo e foi até a página de sua amiga Romena.
"São 5 da manhã e eu estou aqui, online, só por você. Só para você. Se você ler essa mensagem antes das 6, me chame."
Manu não precisou esperar muito. Bastou um suspiro para que a luz do celular acendesse.
Lá estava ela, online, às 5h10 da manhã, horário de Brasília.
Manu sentou-se na cama e atendeu o chamado da amiga no skype.
Como aquilo era possível? Um mês de convivência diária seguido de mais um mês de distância intensa.
Com os cabelos emaranhados e uma camisola grande e larga do Garfield, Manu sorria e lembrava dos potes de sorvete, dos passeios na praia, da tentativa de ir ao pub e também da despedida às 3 da madrugada. A dor que as duas sentiam durante e após cada um dos 30 abraços dados até a despedida final permanecera no coração da menina de olheiras e aparentemente, também perseguia os sentimentos de sua querida amiga que mais parecia com uma boneca, um personagem de algum filme medieval com seus longos cabelos ruivos e cacheados e seus olhos grandes e verdes envoltos pelo rímel sempre retocado e os gigantescos cílios.
Era engraçado como as duas já se entendiam tão bem.
Alina falava e Manu escutava. Mas nem por isso Manu se irritava com isso. De tempos em tempos Manu fazia algum comentário rápido, contava qualquer besteira e voltava a ouvir a amiga. Alina gostava falar, e se pudesse, sem dúvida as duas ficariam conversando por mais de hora. A Romena então contou do trabalho, dos paqueras, dos planos para o futuro enquanto a outra ficava apenas ali, sorrindo, aproveitando cada segundo daquela preciosa conversa matinal.
Faltavam 5 minutos para as 6 da manhã quando sua mãe entrou no quarto. A princípio obviamente estranhou ver sua filha com o computador ligado a uma hora daquelas. Mas ao saber de quem se tratava do outro lado da tela brilhante, sorriu. Foi até a cama da filha e conversou rapidamente com a
amiga estrangeira. Era surpreendente a capacidade que Alina tinha de ser amável a qualquer momento, não importava com quem fosse.
Estavam para desligar quando foi dito "Talvez nós nos encontremos na Espanha!"
Manu e sua mãe se entre-olharam com felicidade e apoiaram assiduamente a ideia magnífica de Alina.
"Vá sim! Seria perfeito se você nos encontrasse em Madrid! Podemos até sair para jantar!" Disse a mãe com uma voz empolgada em direção ao computador.
Conversaram mais alguns minutos e assim foi.
A despedida foi meio estranha por causa de uma falha na conexão, mas isso não alterou em absolutamente nada o bom humor de Manuela.
Ela tinha certeza de que aquele seria um ótimo dia.
"Agora é um instante. Você sente? eu sinto"
Clarice Lispector
Ah, como eu sinto...
E eu que achava que seria tudo superficial, no final me peguei secando lágrimas pesadas e verdadeiras.
Admito, meu coração está doendo de tanta saudade : )
Marcadores: uw
Sala de Embarque.
19h43 e eu me pergunto "No que é que eu fui me meter?!"
Estou praticamente sozinha na sala de embarques e, para mim, a tela grande cheia de horários e palavras nunca foi tão interessante.
Medo? Sim, claro que estou com medo; isso é óbvio.
Mas ao mesmo tempo, sinto que é uma causa necessária, como um pássinho que precisa cedo ou tarde pular do ninho e bater as asas para aprender a voar.
Ok, comparação nojenta, ok, já entendi.
Mas acho que o nervosismo nunca me esteve assim, tão presente (tirando os momentos em que recebo a prova de física, mas isso não conta)
Nervosismo, medo e uma sala de embarque vazia.
A pesar tudo, eu estou feliz.
Queria isso há muito tempo e sinto que era disso que eu precisava: viajar por ai assim, sem "ninguém", sem estar presa àqueles que eu vejo sempre.
Vai ser bom, sem dúvida. TEM QUE SER BOM. hahaha
Mas vamo que vamo que a energia está show e até wi-fi eu já descolei por aqui.
England here I go!
'O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio.' Clarice Lispector
Curiosidade
'Queria muito saber o que você pensa quando você me olha.'
'Vivo tão intensamente o momento, que quase chego atrasada ao momento seguinte.'
A vida sabe o que faz.
"Senti a sua falta e não te liguei. Traduzindo, você está se afastando demais e eu estou me acostumando a viver sem você."
by @famousphrases
(mas isso não significa que eu esteja feliz com isso.)
That's how I feel today.
"Because of you
I never stray too far from the sidewalk
Because of you
I learned to play on the safe side
So I don't get hurt
Because of you
I find it hard to trust
Not only me, but everyone around me
Because of you
I am afraid"
Kelly Clarkson
Dente-de-Leão
Chama.
Chama.
Chama.
Ninguém atende.
O tempo passa como se tivesse um peso preso nos pés e eu ali, sentada com o coração na mão direita e o celular na esquerda.
Só para constar, eu sou destra.
Destra e tensa.
Conclusão: Esmagava o meu coração com aflição e ansiedade como nunca fizera antes. E como doía.
Mas o que mais me doía era aquela história de "chama chama e ninguém atende".
Falar com a moça da caixa postal já não tinha mais graça e, mesmo consciente de que estava ligando loucamente, a necessidade de falar com você era maior do que qualquer estado de sanidade aceitável pela sociedade maluca que no rege.
Já me basta ter de aceitar fazer parte desse mundo, dessa cidade, dessa loucura chamada escola.
Acho que nessas horas, a minha família é a única coisa que me conforta. E é claro, os amigos do peito.
Às vezes chego a considerar a ideia de fugir e me encolher num canto de gruta qualquer e ficar só ali, pensando na vida. Queria um tempo sozinha pra ficar pensando, chorando tudo o que eu tenho para chorar, tempo para pensar nos meus acertos, nos erros, em quem realmente vale a pena e se de fato estou fazendo as escolhas certas.
Vontade de mandar o mundo a merda.
Vontade de fazer uma lavagem cerebral naqueles que são maus.
Vontade de sair caminhando por ai sem rumo até encontrar uma respostas decente para as perguntas que eu uso para me iludir.
Porque pelo jeito é assim, só ilusão.
Tô cansada, triste, me sentindo totalmente desprezada.
Juro que não é pelo celular ou pelo cartão. Estou assim por aqueles que não sabem o valor de uma ação decente, por aqueles que olham para aquilo que não lhes pertence e mesmo assim, pega para si e faz o que quer como se fosse uma dente de leão no campo.
Só espero que a vida seja justa.
Eu sei que é.
O meu medo é que até lá eu já tenha perdido as esperanças.