Faca de açougueiro.

Ela estava triste.

Dinho estava de partida e Manu, ali, olhando para o chão sem ao menos um pingo de esperança em seu coração.
Por que tinha que ser assim?
Encostada no carro, fingia que não ligava para o fato de ver a razão da sua felicidade ir embora... 
A verdade é que, por mais que ela gostasse dele, demonstrar o que tinha dentro de si não era o melhor a ser feito naquele momento.

"Sabe, morena... Ficar sem você não vai ser fácil."
"É..."

Manu não sabia o que responder. Sentia dentro de si um misto de tristeza, carinho e raiva.

"Fica..."

Foi só o que ela conseguiu dizer naquele momento, mas Dinho não estava olhando para ela.

Uma mulher bonita passara.

Naquela hora, talvez o melhor e mais aceitável fosse que Manu esbravejasse, gritasse e xingasse a mãe de Dinho com todas as suas forças e vocabulários chulos. 
Mas o fato inevitável, inexplicável e incoerente, era que ela queria abraça-lo.
Ela precisava, a cima de qualquer direito de sentir ciúme, te-lo em seus braços; ou melhor, sentir-se confortada pelos braços dele.
Queria poder abraça-lo tão forte, mais tão forte até que finalmente pudesse sentir sem receio que nada faria com que eles se distanciassem. Mais uma vez, ela precisava de contato físico, presença. E a de Dinho, era tudo o que ela poderia querer naquele momento.
Logo que a mulher loira terminou de dobrar a esquina, Dinho perdeu-se no momentaneamente no tempo e balançou calmamente a cabeça enquanto sorria apoiando uma das mãos na nuca. até que de repente, após aquela fração de segundos interminável, trombou com os olhos intensos de Manuela.

E que pancada.

Ele sabia que tinha feito merda. E pior, sabia que desculpa alguma em toda a face da Terra seria capaz de tira-lo daquela situação.

Os olhos de Manu penetravam tão profundamente nos de Dinho que parecia mais que sua alma estava sendo rasgada por um único corte frio e preciso de faca de açougueiro. Sinceramente, ele não sabia o que deveria fazer.
Olhou a sua volta a procura de qualquer coisa que pudesse ajuda-lo a pensar em algo para dizer. Viu apenas um ou dois carros passando, um cachorro perdido marcando território num poste pichado e algumas pombas ciscando o chão. Logo que decidiu tomar coragem e enfrentar a situação, Manu estava em seus braços, chorando.
Olhou-a carinhosamente. Beijou a sua cabeça e sorriu espontaneamente mesmo sabendo que ela não estava olhando para o seu rosto. Para quem não os conhecesse e estivesse apenas de passagem, diria que aquela cena lembrava mais aquelas em que o pai, que está indo embora para lutar na guerra, abraça a mulher e os filhos sabendo que não vai voltar embora diga que em breve estará lá para a hora do jantar.
Só que naquele caso específico, a diferença era que Manu sabia muito bem que Dinho não voltaria.
Dinho era do mundo, das praias, do vento. Revê-lo foi algo fora do comum, uma possibilidade que Manu por muito tempo sequer pensara em alimentar devido as circunstâncias em que se conheceram. 
Quando sentiu que Manu iria se afastar, o homem alto de ombros largos olhou-a e secou uma das lágrimas que corria pela pele quente e morena. 

"Vai dar tudo certo. Eu prometo"
"Eu sei que vai." Disse a moça "Sei que vai..."

Como na primeira vez em que ficaram, Dinho pôs a mão direita com sutilesa no queixo de Manu e levou-o de encontro ao seu. 
Manu sentiu o seu corpo amolecer, ali, no meio da calçada. Foi andando para trás devagar até que sentiu o muro áspero e triste atrás de si. Não ligou. Deixou Dinho toma-la em seus braços e despedir-se.

Ela sabia que tudo ficaria bem.







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