quinta-feira, julho 03, 2014

Margarida

 Alguma coisa estava diferente. Ela não sabia exatamente o que era e também não sabia se o que sentia poderia ser classificado como bom ou ruim. Sua mania esquisita de tentar separar em categorias os mais diversos sentimentos fazia com que ela perdesse minutos valiosos de sua vida. Segurou a xícara de café com as duas mãos e deixou que o vapor encontrasse levemente a ponta do seu nariz.

Olhava para frente, infinito, tímida, sem saber direito o que procurar. Fazia frio e ficar sentada na grama úmida durante horas já não incomodava como nas primeiras vezes.

Sentiu o celular vibrar. Não pagara a conta.
Apoiou a xícara no colo, aninhando o objeto entre as pernas cruzadas e colocou uma das mãos atrás de si, apoiando o corpo. Sentiu a grama úmida, a terra entrando embaixo das suas unhas que há muito deixara de pintar.

Ouviu alguém se aproximando mas não teve interesse em virar para ver quem era. Naquele momento, ela não se importava e também não queria sair daquela posição e acabar derrubando a xícara no colo... Sabe como é.

- Oi.
-Olá. Respondeu sem olhar para o lado. Pôde ver com o canto dos olhos a blusa azul de manga comprida e um nariz forte, romano, conhecido. Ele sentou com as costas arqueadas e segurava os pés com as duas mãos, tentando segurar também uma margarida meio capenga.

- Sabe... Você é bastante previsível. Tinha certeza de que você estaria aqui. Tá pensando no quê?
- Sei lá. Não sei muito bem no que as pessoas pensam nesse tipo de situação, acho que é por isso que eu continuo voltando aqui. Só vou conseguir deixar de vir quando encontrar um propósito para este lugar.

Ela continuava na mesma posição, mas agora uma mecha de cabelo havia caído em seu rosto e estava atrapalhando um pouco a vista. Ela torcia para que o vento aumentasse ou que David arrumasse seu cabelo. Marina realmente sentia falta dos dias em que ela deitava no colo dele e ficava por horas brincando com o seu cabelo leve e castanho.

- Vi esta flor no caminho e lembrei de você. Achei engraçado encontrar uma margarida assim, do nada, bem quando estava vindo pra cá.
- Aposto que você passou numa floricultura.

Ele olhou para ela e sorriu.
- E também aposto que você não tinha grana e conseguiu essa de graça porque não está mais tão bonita.
- Touché.
- Você também é bem previsível, disse ela agora olhando para ele, fazendo força para não sorrir de volta, para não se apaixonar novamente por aqueles olhos verdes que tinham o poder de fazer com que ela se sentisse nua diante dele.

- Sorri pra mim, vai. Eu vim aqui só pra isso...
Ele estendeu a margarida, mas não esperava que ela fosse deixar a posição atual para pegá-la. Então apenas colocou a flor ao lado dela, bem perto da garrafa de café, em cima do livro que ela comprara para ler nas férias.

- Sorri, vai... E foi então chegando perto, aproximando seu rosto ao dela enquanto tocava com a mão direita a mecha de cabelo que ela tanto implorara ao vento para arrumar.

Ela então finalmente sorriu e ele sentiu que ela estava ensaiando para mudar de posição. Respirou. Ele abriu um pouco os ombros, mais receptivo caso ela abraçasse de vez a decisão que estava com tanto receio de tomar. Foi chegando mais perto, como quem não quer nada e encostou a cabeça no ombro dele, ainda sorrindo, calma, leve.
Tinha finalmente encontrado um propósito para aquele lugar.




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