sábado, abril 27, 2013

Poeira.

Veio assim, do nada, como quem não quer nada.
Renata estava sentada no sofá que acabara de comprar, com os pés em cima da almofada que deveria tomar todo o cuidado do mundo para não sujar.
Mas a verdade é que ela não ligava; estava cansada.
Seus olhos mareados buscavam na sala vazia algum sentido para viver, qualquer resquício de felicidade que talvez estivesse junto à poeira esquecida no rodapé.

Tomou um gole d'água, calmamente. Repousou o copo na pequena mesa de madeira ao lado do sofá e segurou o controle remoto da televisão mas não apertou o botão grande e vermelho. Renata estava só, cansada, frustrada, mas não conseguia suportar a ideia de sucumbir e entregar a sua atual crise existencial nas mãos de um programa de televisão qualquer.

Abandonou o controle e, mais uma vez, olhou em volta. Pensou em ler, talvez. Mas ai lembrou que já sabia o final do livro e que a moça morreria, assim, por pura e espontânea vontade, por saber que a vida nada mais era, para ela, do que uma grande enganação.

Espirrou por causa da poeria mas não pensou em limpá-la naquele momento. Mais tarde, talvez. Agora, estava se sentindo estranha, fraca, sem muita vontade de tornar o ambiente melhor. Isso porque inconscientemente, ela com certeza sabia que, assim, talvez o seu humor melhoraria também.

Doía porque não tinha certeza, porque não queria por as cartas na mesa e apostar no seu sonho, naquilo que ela julgava realmente lhe fazer bem.
Renata repensava cada jogada, cada palavra trocada, enfim, cada escolha que decidira tomar até então.
Aí percebeu. Era por isso que sofria a pobre menina.
Ver os seus sonhos, um a um se esvaindo pela janela era quase tão frustrante quanto saber que não iria atingir aqueles que tinha escolhido para substituir os verdadeiros. Essa coisa de precisar viver, ter sucesso e "subir na vida" assustava Renata e quando viu, estava de pé na sala escura do apartamento vazio e empoeirado onde sempre viveu.
Por um segundo esqueceu onde estava ou o que sentia. Apenas andou três ou quatro passos até o aparador que ficava embaixo da janela de alumínio e ligou o pequeno rádio que ganhara num natal qualquer.

Ela não sabia a letra ou o nome do cantor. Não sabia se alguém já teria inventado passos para a música que estava tocando, mas naquele momento, ela não estava interessada em nada daquilo.

Simplesmente sorriu e quase que por uma fração de segundo quis se punir, tampar a boca com as mãos caso alguém estivesse vendo e viesse até ela apontar o dedo e gritar sem nenhum motivo plausível.
Ela sabia que era maluca, coitada, mas doía.
A frustração de carregar todos os traumas que foram se acumulando durante a sua formação fazia com que ela sentisse que precisava arriscar, sabe, pra não acabar com a cabeça no trilho do trem, como a moça do livro fizera, coitada.

Sofria, mas Renata sabia que se não dançasse naquele momento, que se não tirasse as mãos do rosto e deixasse o seu sorriso desgostoso se transformar em algo lindo e aberto, jamais reagiria e sem dúvidas acabaria ali, sentada num sofá novo, pisando na almofada nova que comprara com o dinheiro provindo de uma escolha que ela um dia julgou ser mais sensata do que aquela que realmente faria com que ela estivesse naquela mesma sala gargalhando com bons amigos, enquanto comiam pizza e tomavam cuidado com a almofada velha que Renata sempre gostou.

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