Merda.

Que merda! Merda, merda, merda!
Solteira, 29 anos e nenhum emprego. Talvez essa fosse mesmo a melhor coisa que ela poderia falar naquele momento.
Havia muito que ela não saia com os amigos, se é que ela ainda tinha algum, deixara de pintar as unhas e comprar sapatos novos.
Todas as noites ela assistia ao seu programa favorito de auto-ajuda segurando o pequeno aquário de vidro. Nele morava Alfredo, seu peixinho verde. Ele já havia se acostumado com o calor do colo de sua dona, até porque, ele nunca teve muita oportunidade de reclamar.
Afinal, era um peixe. Verde.
Todos os dias Alfredo ouvia sua dona repetir essas mesma palavras, Merda, Merda, Merda. Ela as dizia na hora em que acordava, quando estava tomando banho, na hora de preparar alguma refeição, e até antes de dormir, segundos antes de pegar no sono e segundos depois de rezar pedindo que o dia seguinte fosse melhor.
Alfredo queria mais do que tudo poder ajudar sua dona, poder dizer a ela que dizer Merda não melhoraria nada, queria poder dizer que a água do seu aquário esquentava quando ela o punha em seu colo, e isso incomodava, e muito.
Sua dona reclamava da vida o dia inteiro, mas no final, o único ser consciente de sua própria existência era o incapacitado de escolher, viver, ser.

Ele vivia num aquário quente, e por isso sem dúvida, era ele quem deveria falar "Merda" o dia inteiro.

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